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O Papel da Mulher no Boxe: A Voz de Sandra Teixeira

A árbitra fala da sua visão sobre justiça, igualdade e o futuro do boxe feminino em Portugal.

Redação
Por: Redação Fonte: Miri Rautenbrg
08/05/2025 às 11h59 Atualizada em 15/05/2025 às 08h50
O Papel da Mulher no Boxe: A Voz de Sandra Teixeira
Imagem cedida Sandra Teixeira

Sandra Teixeira é a primeira pessoa em Portugal — e não apenas a primeira mulher — a obter a certificação internacional como árbitra de boxe pela IBA (nível 1-Star). Atua também nas modalidades de Kickboxing e Muaythai. Com uma presença firme e respeitada no ringue, representa um exemplo de força, precisão e paixão pelo desporto. Nesta conversa, fala-nos sobre o seu percurso, os desafios de ser mulher num meio tradicionalmente masculino e como podemos inspirar mais mulheres a entrarem no mundo da arbitragem.

Início & Motivação

FightNews: Sandra, como começaste no boxe e o que te levou a tornares-te árbitra?

Sandra Teixeira: O início do meu percurso enquanto praticante de desportos de combate foi no kickboxing. Eu praticava, mas nunca competi. Era um bocado baldas… mas adorava aquilo. Acompanhava a equipa às competições, adorava o ambiente, vibrava com os colegas… só não me imaginava a competir.
Um dia, a equipa onde treinava organizou um torneio e eu fiquei a ajudar na mesa. Nunca tinha feito aquilo, mas sabia bem as regras e queria ajudar. Correu tão bem que no final o treinador veio ter comigo e disse-me: “Tens jeito para isto! Nunca pensaste em tirar o curso de árbitros?”
Na altura não valorizei, mas uns anos mais tarde, tinha sido mãe há pouquíssimo tempo, nem sequer estava a treinar, vi um cartaz a anunciar um curso de árbitros e inscrevi-me. Foi o início de tudo!
Já arbitrava kickboxing há algum tempo, e a falta de árbitros no boxe era uma realidade. Foi então que fui convidada, na altura, por uma pessoa que estava ligada à arbitragem no boxe e que acompanhava o meu percurso do outro lado para fazer uma formação de árbitros. Aceitei. O gosto pela modalidade foi crescendo e cá estou eu. 

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Houve algum momento em que soubeste: “É mesmo isto que quero fazer”?

Sandra Teixeira: Sim, desde o primeiro dia. Desde o primeiro dia que senti que ali, realmente, podia dar o meu contributo à modalidade. As coisas foram surgindo naturalmente, e hoje, não me imagino sem arbitrar. É o meu hobby, a minha paixão e adoro aquilo que faço.

Imagem cedida Sandra Teixeira

Mulheres no ringue e fora dele

FightNews: És a única mulher em Portugal com uma licença 1-Star da IBA. Como foi o teu caminho até lá?

Sandra Teixeira: Comecei a arbitrar boxe em 2017. Sou bastante perfecionista e, quando me envolvo em alguma coisa, gosto de o fazer com o máximo rigor e profissionalismo. Nesse ano, não havia cursos de árbitros em Portugal, por isso fui a Espanha fazer um curso com uma pessoa que hoje é um dos grandes nomes a nível mundial e que, por acaso, foi um dos supervisores agora quando fiz o curso de A&J da IBA.
O caminho até chegar aqui foi feito de persistência, dedicação e, sobretudo, paixão pela modalidade. Quando comecei, não havia nenhuma mulher a arbitrar e, inicialmente, enfrentei algumas resistências, mas nunca permiti que isso me definisse. A certificação foi, para mim, um passo natural no meu percurso. Dei sempre o máximo de mim, estive sempre disponível para aprender e evoluir, e isso é essencial numa função tão exigente como a arbitragem.

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Como é que és vista enquanto mulher neste desporto — especialmente no papel de árbitra?

Sandra Teixeira: Como disse, quando comecei a arbitrar boxe em Portugal não havia mais mulheres. Mas ser mulher num meio maioritariamente masculino nunca me assustou.
No início, notei algum ceticismo: porque era mulher e também por vir de um desporto que, embora também seja de combate, é tão diferente. A verdade é que, com o tempo, consegui mostrar que estou aqui pelo meu mérito e competência e que o meu género não é uma questão. Hoje em dia, sinto que consegui conquistar o respeito tanto dos atletas e treinadores como das pessoas genericamente ligadas à modalidade. Acho que, no fundo, quando somos competentes, o trabalho sobrepõe-se à questão do género, que acaba por ficar para segundo plano.

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Sentes que, por vezes, precisas de te provar mais do que os teus colegas homens?

Sandra Teixeira: Sem dúvida. No início, sentia que tinha de estar sempre um passo à frente e ser irrepreensível. Sentia que não podia falhar porque os olhares estavam postos em mim. Mas, honestamente, isso nunca me afetou, muito pelo contrário, encarei isso como um desafio. Se era preciso provar mais, então que fosse. Até porque acredito que, quando trabalhas de forma séria, mais cedo ou mais tarde o reconhecimento chega. E chegou. Hoje, internamente não sinto isso. Contudo, a nível internacional, penso que ainda existe esse preconceito generalizado, sim.

Imagem cedida Sandra Teixeira

Experiências pessoais & desafios

FightNews: Há momentos especiais na tua carreira de árbitra que ficaram contigo – tanto bons como difíceis?

Sandra Teixeira: Sim, claro. Há vários momentos que me ficaram marcados.
Um dos mais especiais foi, sem dúvida, agora, quando consegui obter a certificação de árbitro internacional. Foi um marco importante. Algo pelo qual trabalhei durante tantos anos. São muitos anos de dedicação, muito investimento pessoal — de tempo e não só. Estar ali, entre os melhores, a representar Portugal e saber que foi mérito meu e do meu trabalho, é uma sensação incrível. Senti-me orgulhosa, não só por mim, mas por saber que, de alguma forma, estava a abrir portas para que outras mulheres possam ver que é possível, ainda que nem sempre seja fácil.
Mas também houve momentos difíceis. Este ano, por exemplo, estive numa prova internacional em que era a única mulher na equipa de arbitragem. E se em Portugal, como disse, considero que já não preciso de provar constantemente o meu valor porque ele é reconhecido pelo trabalho que tenho vindo a desenvolver, ali voltei a sentir que tinha constantemente de provar que era capaz e que estava à altura. Foi como voltar ao início, mas numa realidade muito diferente — a um nível altíssimo e muito mais exigente.

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Já te sentiste tratada de forma injusta – ou, pelo contrário, recebeste um respeito especial por seres mulher nesta posição?

Sandra Teixeira: Já vivi um pouco dos dois. Houve momentos em que fui tratada de forma não tão justa, sim. Situações em que senti que tinha de provar mais que os meus colegas. Às vezes, há aquele preconceito subtil, um comentário disfarçado de piada. Mas sempre lidei bastante bem com isso.
Por outro lado, sinto muitas vezes um respeito especial. Não particularmente pelo facto de ser mulher, mas porque, como disse, considero que ao longo do meu percurso tenho conseguido mostrar que estou aqui por mérito próprio e que o género não define competência. O mais bonito é quando sou abordada por atletas — sobretudo meninas e mulheres — e dizem que se inspiram em mim ou quando, por exemplo, a minha filha fala de mim e faz questão de dizer aos amigos quem é a mãe. Fico com o coração a transbordar.

Imagem cedida Sandra Teixeira

O caminho para ser árbitra

FightNews: Como é que se torna uma mulher árbitra de boxe — quais são os primeiros passos?

Sandra Teixeira: Burocraticamente, o primeiro passo para iniciar é fazer o curso de árbitro. Depois disso? É sobretudo sobre resiliência e paixão pelo que se faz. Obviamente, não vamos todos ter o mesmo nível de comprometimento e entrega, mas efetivamente, gostarmos do que fazemos é uma condição muito importante. Diria que, talvez, a mais importante.
Para que um árbitro, particularmente uma mulher, se mantenha ao longo dos anos num meio em que ainda é necessário mostrar constantemente que somos tão capazes como os demais, é preciso ter um espírito de sacrifício e amor pelo que se faz, acima da média. É importante não ter medo de entrar. As portas estão abertas e, quanto mais mulheres se envolverem, mais forte e equilibrada fica a modalidade.

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Que conselhos darias a outras mulheres que gostariam de seguir este caminho?

Sandra Teixeira: O meu conselho é simples: não tenham medo de ocupar o vosso lugar! Venham! Saiam da vossa zona de conforto e arrisquem, vão adorar.
Cada mulher que entra para o boxe — seja na arbitragem ou não — abre caminho para as que virão depois. Relativamente à arbitragem, o caminho está a ser feito. Atualmente já não sou a única mulher em Portugal e pensar que, de alguma forma, o meu trajeto pode servir para inspirar outras mulheres a juntarem-se à modalidade deixa-me muito feliz.

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Porque é que é importante termos mais mulheres neste papel?

Sandra Teixeira: É muito importante termos mais mulheres neste papel. Internamente ainda somos muito poucas. No ano passado, estive responsável pelas três edições do curso de árbitros realizadas em Portugal e, em todas elas, tivemos bastante adesão no que respeita à massa feminina. Algumas delas já se encontram a arbitrar, têm tido ótimas prestações e têm um futuro promissor. Isso é algo que me deixa extremamente orgulhosa.
Ainda assim, precisamos de mais. Mesmo a nível mundial, ainda há um défice bastante acentuado entre o número de homens e mulheres.
Quando mulheres assumem papéis como este, estamos a passar uma mensagem poderosa para as gerações futuras. Como mãe de uma menina, tenho cada vez mais consciência da importância que tem mostrarmos que não há limites para o que queremos ser, para o que podemos alcançar e que não é o género que nos define.

Responsabilidade & emoção

FightNews: Como árbitra, tens de manter a calma, tomar decisões difíceis e ser sempre justa. O que é que este papel te ensina a nível pessoal?

Sandra Teixeira: Ser árbitra ensinou-me muito. Ensinou-me a controlar melhor as minhas emoções e a agir com a cabeça fria, mesmo nos momentos de maior pressão. Antes era muito mais explosiva. Aprendi também a ser mais racional, mais responsável pelas minhas ações e a confiar nas minhas decisões.
Quando estás em cima do ringue, tens de decidir em segundos, sendo que qualquer decisão pode ter um impacto enorme para os atletas que estão ali a dar tudo.
A nível pessoal, este papel ensinou-me a ter mais empatia e, sobretudo, a ser justa e imparcial em todos os momentos. Obviamente, isso acabou também por moldar a minha forma de estar na vida, até porque ser árbitro é muito mais do que fazer cumprir regras.

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: O que significa para ti a justiça no desporto de combate? 

Sandra Teixeira: Em toda a minha vida, nunca lidei bem com injustiças. É das coisas que mais me incomodam. A justiça é o que mantém a integridade e isso é fundamental no desporto em geral. 
No caso do boxe, justiça não é apenas uma questão de regras. É sobretudo sobre respeitar o esforço de cada atleta e garantir que o que acontece dentro do ringue reflete o mérito de cada um, sem influência de qualquer fator externo. É ser imparcial, tomar decisões difíceis sem hesitar mas, acima de tudo, fazer com que a dedicação de cada atleta se reflita no resultado final.  

Perspectiva para o futuro

FightNews: O que dirias a raparigas e mulheres que estão a pensar entrar no mundo do boxe – como atletas ou como oficiais?

Sandra Teixeira: A todas as meninas e mulheres que estão a pensar entrar no mundo do boxe, seja em que papel for, eu diria: VENHAM. O boxe é sobre resiliência, disciplina e superação. É sobre compromisso. É sobre paixão. E esses são valores que qualquer mulher pode dominar. Na maior parte das vezes, somos nós o nosso pior inimigo, no sentido em que somos as primeiras a questionar se somos capazes. Mas não se deixem limitar por estereótipos e arrisquem. 

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: O que gostarias de ver acontecer no futuro do boxe feminino em Portugal?

Sandra Teixeira: Para o futuro gostaria que o boxe feminino em Portugal tenha mais visibilidade e oportunidades, seja para atletas, árbitras ou outras funções. Tenho noção que esse trabalho está a ser feito, ao longo do tempo que estou aqui é percetível uma enorme evolução nesse sentido, mas ainda há um longo caminho a percorrer. 
Gostava de ver mais mulheres em funções de liderança e claro, que o boxe feminino em Portugal possa ser visto lá fora, como uma referência, a todos os níveis. 

Imagem cedida Sandra Teixeira

FightNews: Para terminar, se pudesses dizer algo à menina que foste em criança – o que seria?

Sandra Teixeira: Em criança nunca imaginei que chegaria aqui, mas agora sei que com paixão e determinação podemos quebrar barreiras e conquistar coisas com as quais nunca sequer sonhamos. Por isso, à Sandra que fui em criança, diria para acreditar mais em si mesma. Para nunca duvidar que é capaz, ainda que os outros possam duvidar. Diria também para não deixar que nada nem ninguém lhe diga que não pode fazer o que quer que seja, porque, ainda que o caminho possa ser difícil, do outro lado pode estar um algo incrível.

Com uma voz firme e uma presença respeitada em ringues nacionais e internacionais, Sandra Teixeira mostra que há espaço – e necessidade – de mais mulheres a tomar decisões no desporto. O seu exemplo é um convite aberto a todas que sonham com um lugar junto às cordas.

Imagem cedida Sandra Teixeira

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SaraHá 2 semanas Coimbra Uma mulher incrível com wiem temho o orazer de privar, uma força da natureza, transbordo de tanto orgulho
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