Foi em Erevan, capital da Arménia, que a Seleção Nacional Feminina de Karaté escreveu uma nova página de sucesso na sua história. No Campeonato da Europa de Seniores 2025, a equipa portuguesa conquistou a medalha de prata, tornando-se Vice-Campeã da Europa numa das competições mais prestigiadas da modalidade.
Entre as protagonistas deste feito está Natacha Fernandes, atleta da Seleção Nacional que tem vindo a afirmar-se como uma referência no panorama do karaté português. Numa entrevista exclusiva, Natacha abre o coração sobre os bastidores desta conquista: desde os momentos difíceis até à superação coletiva, passando pelo impacto da união da equipa e os sacrifícios feitos no caminho até ao pódio europeu.
FightNews: Natacha, que sentimento te invade ao conquistar o título de Vice-Campeã da Europa com a Seleção Nacional?
Natacha Fernandes: Sinto-me imensamente feliz, orgulhosa e grata. Esta medalha representa anos de trabalho, de dedicação e de persistência de toda a equipa. Quando falo em equipa, não me refiro apenas a nós quatro, mas sim a todos os que contribuem para que possamos estar no nosso melhor: o nosso treinador pessoal e selecionador Jorge Peixeiro, o nosso preparador físico Bruno Rodrigues, o nosso psicólogo Nuno Cardoso, o nosso curador da mente e do corpo Omid Bahrami, os nossos colegas de treino e de seleção, a equipa federativa, os nossos entes queridos que sabem o tempo que sacrificamos com eles para podermos continuar a representar Portugal da melhor forma, entre muitos outros que fazem parte deste processo! Conquistar finalmente a nossa primeira medalha num Campeonato da Europa, depois de tantas tentativas, é profundamente gratificante.
É um sentimento único saber que, com esta conquista, elevámos mais uma vez o nome de Portugal. A nossa bandeira voltou a erguer-se no pódio e mostrámos que estamos no topo da Europa.
Mais do que uma medalha, é a confirmação de que o nosso propósito vai além de nós próprias. Estamos a escrever história: Portugal é, pela primeira vez, Vice-Campeão da Europa e Vice-Campeão do Mundo em kata por equipas feminino. É um orgulho imenso fazer parte deste momento.
FightNews: Como descreverias a vossa prestação em Erevan? O que consideras que esteve na base deste resultado tão positivo?
Natacha Fernandes: A nossa prestação em Erevan foi, honestamente, espetacular. Sentimos uma energia incrível dentro daquele pavilhão; a nossa presença foi tão forte que até atletas de outros países se juntaram para nos apoiar. Acho que é nesses momentos que se percebe o verdadeiro espírito da nossa equipa.
Portugal está a crescer muito no panorama internacional. Já não somos apenas "mais um país" no sorteio. Hoje, somos reconhecidas e respeitadas por grandes potências europeias como Itália ou Turquia. Isso, para nós, é sinal claro de que o nosso trabalho está a dar frutos.
Na base deste resultado está tudo o que fizemos nos bastidores: as horas incontáveis de treino técnico, físico, mental, de recuperação e também o tempo que investimos na nossa união enquanto equipa. Trabalhámos muito para estar ao nosso melhor nível e esta medalha é o reflexo direto desse compromisso.
FightNews: Quais foram os momentos mais marcantes para ti durante este Campeonato Europeu de Seniores?
Natacha Fernandes: Houve dois momentos que me marcaram profundamente neste Europeu. O primeiro foi a vitória contra a Turquia, que nos garantiu a presença na final e, com isso, a certeza de uma medalha: a primeira medalha europeia da nossa equipa! Foi um momento de enorme emoção, em que sentimos que todo o esforço e sacrifício tinham valido a pena.
O segundo momento foi a final em si. Quando terminámos a nossa performance, abraçámo-nos e simplesmente vivemos aquele instante. Estávamos ali, juntas, a cumprir mais um sonho. Foi um momento de plenitude, de olhar à nossa volta e perceber a dimensão do que estávamos a alcançar e de tudo aquilo que construímos desde que iniciámos esta jornada há 3 anos. De veras inesquecível…
FightNews: A vossa equipa demonstrou uma enorme coordenação e espírito de união. Como é que se constrói essa sintonia?
Natacha Fernandes: A verdade é que tudo se treina, até a sintonia de equipa! Isto é algo a que o nosso treinador tem dado cada vez mais ênfase! Ele mostrou-nos que os treinos técnicos são fundamentais, mas que também é necessário dedicarmos tempo à construção da nossa ligação de equipa fora do tatami.
Encontrar momentos para estarmos juntas fora dos treinos não é fácil, porque todas temos rotinas muito diferentes, entre estudos e trabalho, mas sabemos que essa convivência é essencial. Já vimos na prática que a componente social tem impacto direto no nosso desempenho. Quando a equipa está unida fora do tatami, tudo funciona melhor dentro dele.
Não é raro agora estarmos juntas num quarto de hotel a jogar cartas, a ver vídeos ou simplesmente a conversar. Nem sempre foi assim, mas estes momentos constroem-se! São esses momentos que fortalecem a confiança e o espírito de entreajuda. Além disso, cada uma de nós traz algo único à equipa — temos diferentes personalidades, pontos fortes físicos e mentais — e essa diversidade é uma mais-valia enorme. Aprendemos umas com as outras e crescemos juntas.
FightNews: Podes partilhar um pouco sobre a vossa preparação para esta competição? Como foi o caminho até ao Europeu?
Natacha Fernandes: O caminho até ao Europeu foi um verdadeiro turbilhão de emoções, com momentos de superação e também de frustração. Depois do Mundial, participámos em várias provas de preparação, nas quais tínhamos grandes expectativas, e, quando os resultados não apareceram, foi difícil de aceitar.
A juntar a isso, continuamos a lidar com a falta de apoios financeiros para competir, o que torna todo este percurso ainda mais complicado. No entanto, conseguimos retirar aprendizagens importantes desses momentos menos positivos: analisámos os nossos erros e percebemos o que precisávamos de melhorar a tempo do Europeu.
Uma das mudanças importantes foi no nosso bunkai, que testámos no Campeonato Nacional de Equipas e que acabou por resultar da melhor forma possível, ao tornarmo-nos Campeãs Nacionais por Equipas pela segunda vez! Também acrescentámos um kata novo de maior complexidade, que acabou por nos levar à final no Campeonato da Europa!
A preparação foi intensa: nos dois meses que antecederam o Europeu, quase não tivemos fins de semana livres. Foram semanas e semanas de treinos exigentes e constantes, sempre com o objetivo de chegarmos à competição no nosso melhor nível.
Apesar de todos os obstáculos, sentimos que crescemos como equipa e chegámos ao Europeu mais unidas e preparadas.
FightNews: Por fim, que mensagem gostarias de deixar aos jovens praticantes de Karaté que se inspiram em conquistas como esta?
Natacha Fernandes: A mensagem que gostava de deixar aos jovens praticantes de karaté é simples, mas fundamental: nunca desistam. Nunca desistam de sonhar alto, mesmo quando vos disserem que é impossível. A nossa equipa sonhou, muitas vezes, com uma medalha num Europeu ou num Mundial. Para muitos podia parecer um objetivo distante, mas para nós era uma meta real — e trabalhámos todos os dias para lá chegar. Com dedicação, trabalho de qualidade e, acima de tudo, acreditando em nós, mostramos que é possível estar no topo. E mais importante ainda: aproveitem esta viagem incrível. O karaté não é só sobre resultados, é sobre os valores, as amizades e as memórias que ficam para a vida. Cada passo desta jornada conta e vale a pena.